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Afinal, tem Afasia de Broca em Game of Thrones?

Uma das mais aclamadas séries de TV de todos os tempos, Game of Thrones traz à tona a discussão sobre uma disfunção neurológica comumente investigada pela neuropsicologia. Trata-se da afasia de Broca, um dos diversos tipos de afasia.

 

As afasias podem ser entendidas como perdas ou déficits na função da linguagem, devido a uma disfunção cerebral que pode afetar fonologia, semântica, sintaxe, conteúdo, forma e uso da linguagem, assim como os processos cognitivos correlacionados, seja através da expressão, da compreensão, ou de ambas, em diferentes graus de intensidade (Ortiz, 2005; Jordan & Hillis, 2006).

 

A série nos apresenta o personagem Wylis é um cavalariço adulto, servo da casa Stark, que é conhecido por pronunciar apenas uma palavra “Hodor”. Deste modo, todos que o chamam pela alcunha Hodor, substituindo seu nome próprio em suas relações sociais. Alguns dos demais personagens o percebem como portador de deficiência intelectual ou de outros déficits cognitivos.

 

No entanto, ao fazer uma observação ao que nos é apresentado do personagem no decorrer das seis primeiras temporadas da série, notamos que o mesmo, embora tenha uma articulação empobrecida na linguagem expressiva, não possui dificuldades na compreensão. Tais considerações relembram um caso clássico e de gravidade severa apresentado na literatura científica: o caso de Louis Victor Leborgne, cuja alcunha era “Tan-tan”, relatado por Paul Pierre Broca, publicado por Dronkers, Plaisant, Iba-Zizen e Cabanis (1987).

 

Esta condição neurológica com prejuízo na linguagem expressiva é decorrente de lesões ou danos na área de Broca, localizada no giro frontal inferior do hemisfério cerebral esquerdo, ou em áreas adjacentes à região de Sylvius. Conforme Vendrell (2001) nos explica, a afasia de Broca é caracterizada por um déficit expressivo, mas uma compreensão suavemente afetada, com restrição do vocabulário, fala agramatical e redução significativa na capacidade de comunicação.

 

Dentro deste cenário, percebemos que no decorrer da série, Hodor passou por um processo convulsivo que nos leva a crer ter sido o momento inicial da perda da capacidade expressiva. A literatura científica também aponta que uma das causas mais comuns para o surgimento de afasias são acidentes vasculares encefálicos na área de Broca e regiões adjacentes, seguido de convulsão. Entendemos, assim, que Hodor é um portador de afasia de Broca.

 

Por fim, vale lembrar que se trata de uma série de ficção. Deste modo, os únicos detalhes que nos permitem deduzir um quadro clínico como o de Hodor são aquelas informações que os produtores nos permitem ver. Entretanto, observar um paciente com uma hipótese diagnóstica que remonta um quadro clássico em uma série de tanta audiência, é uma forma de desenvolver discussões que podem estimular um maior conhecimento do público geral sobre as afasias e outros transtornos neurocognitivos.

 

E você, conhece algum personagem que podemos avaliar? Sabe de algum filme ou série que trate de algum transtorno neurocognitivo interessante? Mande uma mensagem para mim com a sua sugestão através do link de contato.

 

 

   

Por: Thiago Linhares
Psicólogo CRP 22/1834

Especialista em Neuropsicologia

 

 

 

Referências

 

Dronkers, N. F., Plaisant, O., Iba-Zizen, M. T., & Cabanis, E. A. (1987) Paul Broca’s historic cases: high resolution MR imaging of the brains of Leborgne and Lelong. Brain, 130, 1432-1441.

Jordan, L. C., & Hillis, A. E. (2006). Disorders of speech and language: aphasia, apraxia and dysarthria. Current Opinion of Neurology, 19, 580-585.
Ortiz, K. Z. (2005). Afasia. In: Ortiz, K.Z. Distúrbios neurológicos adquiridos: Linguagem. (p. 47-64). Barueri: Manole.
Vendrell, J. M. (2001). Las afasias: Semiología y tipos clínicos. Revista de Neurologia32 (10), 980-986.

 

 

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